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Porquê?

Hoje em dia, há dois grandes problemas que se devem abordar: a elevada abstenção, e a polarização política da sociedade. Esta proposta tem como objectivo mitigar estes dois temas. De seguida, apresentamos dados que suportam esta ideia.

Nas Eleições Legislativas e Europeias de 2019§, 52,65% e 70,58% da população, respectivamente, decidiu abster-se ou votar em branco. Baseado no Censo Social Europeu (CSE; 2002–2019), esta população não-votante tem uma opinião política não dissonante em termos sociais com a restante votante (Figura 1). Isto significa que, supostamente, a diversidade partidária actualmente existente em Portugal deveria, em princípio, incluir o espectro político desta população não-votante. Porém, em comparação com a população votante, a não-votante tende a desconfiar mais do Parlamento Português (Figura 2). Notar que as duas distribuições tendem a estar sempre na metade inferior da tabela (i.e., maior desconfiança). Por exemplo, somente 15% (2012/2013) a 47% (2002/2003) da população votante se sente efectivamente próxima a um partido. Deste modo, há duas mensagens a reter destas análises: (i) 50 a 70% da população votante não vota por confiança (assumindo a divisão no valor 5 na Figura 2), mas, sim, no chamado “mal menor”; (ii) a população não-votante não exerce o seu voto devido a uma desconfiança mais acentuada e resultante desinteresse político. Com esta proposta, pretendemos criar um canal de voto por vias de democracia directa a esta população, reduzindo assim a abstenção que afecta a política nacional.

§ – Não referimos as Presidenciais de 2021, uma vez que aconteceram num contexto de pandemia.

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Figura 1 – Em cada edição do CSE (anos indicados no eixo das abcissas), perguntas selecionadas foram usadas para determinar a orientação ideológica de cada pessoa entrevistada (ou mais social ou conservador). As perguntas usadas têm índices que vão do 1 ao 5, do 1 ao 6, ou do 0 aos 10. Estes intervalos de valores foram normalizados a um intervalo de -2 a +2 e posteriormente os valores para cada pessoa foram somados. No final, cada ano foi normalizado ao número de perguntas usadas para o propósito (mantendo o intervalo de valores final entre -2 e 2). Apesar das perguntas usadas não serem comuns a todas as edições, há quatro que são comuns a todos os anos: o Governo deve reduzir as diferenças nos níveis salariais (+=concordo; -=discordo); gays e lésbicas são livres de viver a vida como desejarem (+=concordo; -=discordo); a imigração é boa ou má para a economia do país (+=boa; -=má); é importante que as pessoas sejam tratadas de maneira igual e com igualdade de oportunidades (+=concordo; -=discordo). Outras perguntas não comuns abrangem temas de igualdade de género, intervenção do Governo na sociedade, ou direitos dos imigrantes. Como referência, um valor negativo indica uma posição mais conservadora, enquanto um positivo indica o contrário. Os entrevistados foram divididos em três grupos: votantes simpatizantes de partidos ditos de direita ou esquerda (indicados a laranja e azul, respectivamente); ou não-votantes (NV) nas eleições anteriores (indicados a negro). As linhas apresentadas indicam a mediana ponderada de cada grupo, enquanto que os limites inferior e superior da região da mesma cor indicam os percentis ponderados 15,87 e 84,13, isto é, as regiões indicadas contêm 68% da população. Uma análise ponderada Kolmogorov-Smirnov destas tendências mostra que, à exceção das edições 2004 e 2006/2007 ou 2002/2003 e 2008/2009 a população de não-votantes mostra uma distribuição semelhante às dos votantes de direita ou de esquerda, respectivamente. Esta análise mostra que a população não-votante não é mais radical.

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Figura 2 – Em cada edição do CSE (anos indicados no eixo das abcissas) os entrevistados indicaram a sua confiança no Parlamento Português numa escala em que 0 (zero) e 10 significam “Nenhuma confiança” e “Total confiança”, respectivamente. Os entrevistados foram agrupados nos que votaram nas Eleições anteriores (vermelho) e os que não (negro). Novamente, as linhas indicam a mediana ponderada do grupo enquanto que as regiões englobam 68% da população. O mínimo de confiança das duas distribuições entre 2008 e 2015 é induzido pela crise económica mundial que aconteceu nesse mesmo período. Na maioria das edições, a mediana da população não-votante apresenta valores mais baixos que a mediana da população votante. Uma análise ponderada Kolmogorov-Smirnov destas tendências mostra que, à exceção das edições 2004, 2008/2009, e 2018/2019, a população não-votante mostra uma distribuição distinta à votante. Esta figura mostra deste modo que a população não-votante tende a confiar menos no Parlamento Português que a população votante.

Porém, fica ainda a dúvida se esta população não-votante é mais radical ou polarizada. Na figura 1, já mostrámos que a sua opinião não é dissonante com a votante. Contudo, o gráfico baseia-se numa divisão partidária. Outra maneira que podemos abordar o tópico é se usarmos a perceção de cada entrevistado no CSE sobre a sua orientação política de esquerda, centro, ou direita. Ao longo das várias edições do CSE, vemos que 22 a 33% da população votante se auto-denomina de centro. Esta percentagem sobe para 37 a 46% entre a população não-votante, sendo assim esta menos polarizada. Isto também se pode comprovar nas Figuras 3 e 4. Estas mostram que a população não-votante se observa politicamente orientada com a população votante de centro. Estes gráficos mostram ainda um possível aumento na polarização da população votante, especificamente quando se comparam directamente as distribuições das populações de esquerda e de direita. Apesar desta observação poder estar associada a um aumento percentual da população de centro (~10%), essa tendência não é observada ao fazer-se o mesmo tipo de divisão na população não-votante (ainda que esta seja menos numerosa no CSE; Figura 5).

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Figura 3 – O mesmo que na figura 1, mas a divisão entre populações de Esquerda, Centro, e Direita é baseada na perceção de cada entrevistado no CSE sobre a sua orientação política numa escala de 0 (Esq) a 10 (Dir). Aqui adoptam-se os seguintes grupos: Esq = 0–4; Centro = 5; Dir = 6–10. Novamente, os distintos grupos aparentam não demonstrar diferenças significativas entre si na sua evolução ao longo de 17 anos. Porém, uma análise ponderada Kolmogorov-Smirnov revela algo mais (Figura 4).

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Figura 4 – Este gráfico mostra uma análise ponderada Kolmogorov-Smirnov das distribuições apresentadas na Figura3. Esta análise determina se estatisticamente as distribuições da população votante de centro e a da não-votante são distintas (linha sólida a negro). O mesmo se faz com as populações votantes de esquerda e direita (linha sólida a castanho). A linha horizontal negra a ponteado delimita o nível a baixo do qual as distribuições podem ser consideradas iguais com uma confiança de 95%. Este gráfico mostra assim que as distribuições das populações votante de centro e a não-votante são estatisticamente iguais em 7 das 9 edições do CSE. Por outro lado, é de notar que, em 5 das 9 edições, as distribuições de Esquerda e Direita são estatisticamente diferentes, com maior ocorrência nas últimas 5 edições do CSE. As estrelas à direita indicam o resultado da análise se considerarmos todas as edições em conjunto (normalizando cada ano à mediana da distribuição da população não-votante). Estas mostram que efectivamente as populações votantes de esquerda e direita são diferentes, enquanto que a população votante de centro e a não-votante, continuam a ser consideradas iguais com uma confiança de 95%.

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Figura 5 – O mesmo que a Figura 4, mas fazendo a divisão entre Esquerda e Direita na população não-votante. É de salientar que só na edição de 2004 as distribuições das populações que se consideram ora de esquerda ora de direita mostram sinais de polarização (segundo o nível de 95% de confiança). Há que referir que o número de pessoas na população não-votante é menor no CSE, o que pode potencialmente não permitir uma boa análise estatística. Para colmatar este déficit, pode-se novamente combinar os resultados de todas as edições para obter um resultado global (estrelas). Desta maneira, observa-se que o nível de polarização não chega aos níveis observados na Figura 4.

Por motivos de transparência, queremos salientar um enviesamento presente no CSE. Este deve-se ao facto das amostras conseguidas em Portugal pelo CSE mostrarem uma população não-votante de 18 a 25% da total, quando sabemos que na realidade esse número é maior que 50%. Uma vez que a selecção do censo é feita aleatoriamente, enquanto que a entrevista presencial pode sempre ser rejeitada, é tentador pensar que a população não-votante não coberta pelo CSE tem um maior desinteresse por questões sociais, e por isso políticas. Por esta razão, queremos salientar que esta proposta não eliminará a abstenção, mas assumimos que irá, sim, reduzi-la entre os 9 e 14 pontos percentuais. Estes números assumem que a população não-votante incluída no CSE representa a população que aderirá a esta alternativa de voto. Se assim for, considerando o mínimo de população não-votante observada no CSE (18,50%) e somando esta percentagem à dos votos em branco nas Eleições Legislativas de 2019 (2,51%), a Assembleia da República teria a seguinte composição: PS – 89; PPD/PSD – 62; ADD – 50; BE – 15; PCP/PEV – 8; PAN – 3; CDS/PP – 2; IL – 1. Neste contexto Português, estes números equivalem a uma terceira força política com uma orientação política independente e de centro, mas líquida por natureza.

Referências

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